Quando Marta Suplicy era de esquerda
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Mário Leite/Folhapress |
Ontem Marta Suplicy declarou em entrevista à Folha de São Paulo
que “nunca se colocou como alguém de esquerda”. A sexóloga feminista, a apresentadora
do programa TV Mulher, a líder do movimento LGBT, a prefeita da Parada Gay, a
esposa do senador progressista Eduardo Suplicy. Até ela renega a esquerda. Não é o que diz sua biografia. Não é o que diz a história. Não é o que dizem fartos registros, como uma foto em preto e branco retirada do Blog do Tarso, um notório portal esquerdista tocado pelo advogado e militante Tarso Cabral Violin. Na foto, a petista aparece ladeada pelo então marido e candidato a prefeitura Eduardo Suplicy, do eterno Doutor Sócrates ainda de cabelos pretos, com Lula já barrigudo e Adilson Monteiro Alves. Outros tempos.
É normal que Marta se posicione assim. Não anda fácil se posicionar à esquerda. Era mais fácil quando o golpe da luta por igualdade e
justiça social ainda fazia vítimas na praça. O novo golpe agora é o esquerdismo
em outras cores. É o esquerdismo da Rede, do PSOL, do PMDB de Marta e dos
petistas que escondem o vermelho e a estrela Brasil afora.
Quando Marta Suplicy era de esquerda, os militares haviam
deixado o governo. Ficaram ali tanto tempo que acabaram manchando a reputação
da Direita. Catatônica diante da narrativa das esquerdas, a direita acabou
sendo para sempre confundida com o militarismo. É mesmo curioso que um agente
do general Golbery do Couto e Silva e do delegado Romeu Tuma tenha deixado a
fila dos informantes do DOPS para se tornar o sumo sacerdote da esquerda
brasileira, além de ter mantido conversas nada democráticas com Fidel Castro,
com quem fundaria o Foro de São Paulo anos depois. Mas isso é outra história.
Quando Marta Suplicy era de esquerda, os sindicatos eram
pujantes. A esquerda que já dominava as universidades, escolas e redações se
aproximava dos sindicatos. Nasciam os infames movimentos populares de esquerda.
Muitos caíram no conto do operário que queria mudar o Brasil. Para a sorte da própria
esquerda, o suposto “neoliberal” eleito para a presidência da República era
filho legítimo do coronelismo. Foi logo pego de calças curtas e retirado da presidência
por um dispositivo legal conhecido como “golpe” nos dias de hoje.
Em um golpe de sorte, a esquerda conseguiu emplacar duas
alternativas para a presidência: a via moderada e pragmática, representada pelo
tucano Fernando Henrique Cardoso, além da via radical representada pelo truculento
e radical Lula. Ganharam a presidência e só largaram em 2016, quando Dilma
desceu a rampa. A direita também não ganhou, já que Michel Temer está longe de
ser considerado um liberal ou conservador.
Ocorre que o desgaste da crise econômica e política
originada pela controversa eleição de Dilma Rousseff provocou enormes danos a
plataforma da esquerda brasileira. Apostaram na tese do falso golpe, para
organizar as bases em torno do PT. O que aconteceu na sequencia foi a completa
destruição, alvo das mãos da justiça e do repudio das ruas.
O clima de terra arrasada forçou a escolha de novos
caminhos. Marta preferiu dizer em público que “nunca foi de esquerda”. Fez o
mesmo que a servidora maratonista da Assembleia Estadual de Goiás, aquela
flagrada na praça vadiando em horário de expediente por uma afiliada da Rede Globo.
“Eu nunca fiz isso”, disse a senhora. É normal que Marta se comporte assim. É o
que se espera de um esquerdista. Vejam Randolfe Rodrigues, o autor do golpe que
manteve os direitos políticos de Dilma Rousseff. Ele saiu do PT para o PSOL, e
de lá para a Rede. Mas votou contra o impeachment e fez chicana para salvar Dilma.
Aliel Machado também tentou fingir que não era mais de esquerda, mesmo votando
contra o impeachment e se aliando a Roberto Requião. Acontece.
Marta foi de esquerda quando artistas, intelectuais e
esportistas ostentavam o vermelho sem ter que se explicar. Quando Lobão pedia
votos para Lula no Domingão do Faustão sem ser execrado, quando ninguém falava
em Lei Rouanet, quando a quadrilha ainda iniciava suas atividades
criminosas. Ninguém seria interpelado
por apoiar uma organização criminosa que defendia uma ideologia assassina.
Apesar da recente queda do Muro de Berlim, a desculpa de que o socialismo havia
sido deturpado ainda funcionava.
Se há algo comum entre a classe política é o senso de sobrevivência.
Entre os esquerdistas, são poucos os que arriscam a pele e a vida política para
morrerem abraçados com aliados. A ruralista Katia Abreu o fez por convicções
pessoais, não por ideologia. A bancada da chupeta o fez para produzir cenas
marcantes para o documentário gravado por Petra Costa, uma elaborada tentativa
de emplacar o golpe da narrativa do golpe. Não o fizeram por Dilma, mas sim
pela causa.
Quando Marta era de esquerda, era confortável ser de esquerda.
Era socialmente aceitável ser de esquerda, demonstrava erudição,
comprometimento e elevação moral. Isso em uma época em que a sociedade não
conhecia a verdadeira índole dessa seita totalitária. Depois que foram desmascarados,
só resta para alguns o cinismo e o estelionato. É bom não se enganar com o
discurso do esquerdista arrependido, menos ainda com aquele que colocou estrela
no peito e vestiu vermelho e que hoje nega que era ele na foto. Que age assim
se comporta exatamente igual o criminoso que faz plásticas para fugir da
polícia. O narcotraficante Juan Carlos Abadia fez o que Marta está fazendo
agora, que é dissimular quem ela é por
meio de alguns bisturis. O resultado é horrível, e não engana ninguém.